Professor defende tese doutoral que explica o pensamento de vanguarda de Ellen G. White
Nascido na Bolívia, mas radicado no Brasil, o professor e pastor Adolfo Semo Suárez deve à educação cristã sua conversão ao adventismo. O contato com a escola adventista na juventude o motivou a fazer da docência seu ministério. Toda sua carreira tem sido dedicada ao ensino religioso no Ensino Fundamental, Médio e Superior. Autor de três livros, Adolfo também é co-autor da série Interativa de Ensino Religioso (http://www.cpb.com.br/), utilizada nas escolas adventistas brasileiras. Nessa entrevista, ele fala sobre o tema de sua tese doutoral, defendida há pouco mais de um mês na Umesp, em São Bernardo do Campo, SP. Durante dois anos, um deles passado nos Estados Unidos, Adolfo estudou por que a americana Ellen Gold White, principal referência da educação adventista, escreveu e promoveu conceitos educacionais de vanguarda para sua época. Ele é formado em Teologia e Pedagogia, é mestre em Ciências da Religião, é professor assistente do MBA em Liderança da Andrews University (EUA) e docente do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp), em Engenheiro Coelho, SP.
1) Parece-me que as conclusões de sua pesquisa apontaram para alguns conceitos educacionais de vanguarda de Ellen White, escritos no século 19. Em que aspectos ela se mostrou além de seu tempo?
Em diversos aspectos. Aponto ao menos dois. Em seus escritos há uma sólida abordagem sobre o caráter holístico da educação, discussão que seria valorizada por outros autores apenas algumas décadas depois de seu primeiro e famoso texto chamado “A Educação Ideal” (Testemunhos Seletos, vol. 3). Ela defendia que deveria se evitar a fragmentação educacional e se valorizar todos os aspectos do homem, inclusive o espiritual.
Outro conceito pioneiro do pensamento de White foi a temática da libertação-liberdade, especificamente quanto ao pensamento reflexivo. Enquanto que a tendência da sua época era a padronização e ortodoxia da educação, que produzia estudantes “formatados”, ela defendeu o desenvolvimento do senso crítico, a fim de que os alunos simplesmente não refletissem o pensamento de outros.
A postura de Ellen White é inovadora e até ousada para seu tempo, e adquire maior significado quando percebemos que suas ideias contrariaram seu próprio grupo religioso, que, de modo geral, preferia não investir em educação devido sua crença na brevidade da volta de Jesus.
2) A ideia de uma educação libertadora, conforme concebida por Paulo Freire, é recorrente nas discussões sobre educação. O que ele pensava sobre isso e como seus estudos convergem e divergem da posição de Ellen White?
Nas palavras de Freire, o ser humano tem consciência de sua finitude. E sua transcendência nasce justamente “na consciência que tem desta finitude. Do ser inacabado que é, cuja plenitude se acha na ligação com seu Criador” (Educação como Prática da Liberdade, p. 48). Ao contrário dos fenomenólogos, conforme André Gustavo Ferreira da Silva, Freire entende “que a liberdade [...] não é a transcendência em si, mas a sua completude pela dimensão supra mundana, a suprema autonomia diante da própria materialidade”, ultrapassando “o mundo e sua própria materialidadade”(O Conceito de Liberdade no 1º Paulo Freire, p. 7). Esse conceito parece estar em sintonia com a ideia de White sobre a impotência humana, que impossibilita o homem de escapar de suas próprias limitações, tornando indispensável a participação divina. Já a principal divergência entre White e Freire é a respeito dos fundamentos da liberdade: enquanto White entende a liberdade como fundamentada em Deus – é um chamado divino – Freire a compreende como um desejo do oprimido, o qual nasce no coração dele.
3) Como a experiência de superação pessoal de Ellen White influenciou seus escritos?
Ao analisar a infância de Ellen White, percebo que desde a meninice ela foi forçada a aprender a lidar com a rejeição. Sentia-se rejeitada por ser diferente em sua condição física (na infância, White recebeu uma pedrada no rosto, o que lhe trouxe complicações de saúde para o resto da vida) e, consequentemente, sentia-se diferente por ser rejeitada. Essas rejeições se manifestaram ao longo da vida, especialmente quando seus conselhos e orientações estavam na contramão daquilo que a maioria esperava.
Creio que podemos enxergar na experiência de superação pessoal de White uma metáfora daquilo que todo sujeito é capaz de alcançar, especialmente quando se conscientiza de suas limitações e possibilidades e de que deve, deliberadamente, ser o construtor de suas realizações, tendo Deus como o gerador de sentido para uma vida que muitas vezes parece não ter sentido. Essa pedagogia se mostrou importante para a nascente igreja, pois lhe apontou suas possibilidades e limitações e ensinou-lhe a depender de Deus em seus desafios.
4) Como o senhor explica a contribuição educacional de Ellen White para um movimento religioso, sendo que ela teve acesso a apenas à educação elementar?
Tenho plena convicção de que a percepção e o pensamento seminal de Ellen White sobre educação não eram possíveis por meios meramente humanos. Toda essa contribuição é fruto da revelação de Deus. Afirmo isso por que a abordagem de certos temas (serviço, pensamento crítico, redenção e educação, holismo educacional, para citar alguns) eram incipientes em sua época. Como ela teria a sensibilidade de abordá-los sem ter uma sólida formação teórica? Daí que só resta uma resposta sensata: foi fruto de revelação.
5) A educação confessional está em alta ou baixa? O que diferencia a filosofia educacional adventista dos demais modelos confessionais?
A educação confessional, de modo geral, não cresce. Mas a educação adventista avança a passos largos. E creio que avança, em grande medida, por causa de sua proposta diferenciada. E sua grande diferença não é a abordagem religiosa, pois essa temática é cada vez mais frequente na educação secular. Seu diferencial é, primeiramente, a proposta de transformação total da personalidade, a restauração da imagem de Deus no homem. A segunda distinção é a comunhão A educação adventista propõe fazer do processo ensino-aprendizado um ato de partilha, por isso valoriza a comunhão entre alunos e alunos, e entre estudantes e professores.
6) Além dos aspectos religiosos, quais são as contribuições do pensamento de Ellen White para hoje?
Muitas! Mas fico apenas na questão da redenção e do serviço. As implicações da noção de educação-redenção para a práxis educacional ocorrem em pelo menos três aspectos: (1) modifica o sujeito ao longo da vida, por que é um ensino que não se limita a sala de aula, sendo capaz de unir a educação familiar, escolar, social e eclesial; (2) modifica o sujeito em sua complexidade, promovendo todas as potencialidades humanas (não apenas as cognitivas), o sintonizando à demanda multidimensionais da sociedade. Finalmente, destaco que ela propôs uma práxis pedagógica que prepara para o serviço. Assim, mediante uma vida de utilidade, o ser humano é elevado acima da escravidão da artificialidade.
7) Que riscos reais as escolas adventistas correm de perder a identidade e como reverter esse processo?
A prática educacional se faz fundamentada em ideologias. Quando as ideologias assumidas (consciente ou inconscientemente) divergem da proposta que originou o movimento – as quais se mostram certas, apropriadas – então a prática educacional assume outro “rosto” ou “roupagem”, o que desfigura sua proposta inicial. A educação adventista corre esse risco porque, à medida que o tempo passa, vivemos mais longe dos fundadores, o que contribui para o esquecimento das ideologias fundantes. Como reverter esse processo? Precisamos refletir em nossas práticas, a fim de sermos capazes de discernir o que devemos reafirmar e solidificar, e o que devemos mudar para manter nossa missão e identidade. Para isto, nada melhor do que a releitura daquilo que um dia formou nossa identidade.
8) O senhor leciona e vive próximo a um campus de internato. Por que Ellen White apoiou a construção de internatos e qual é a relevância desse modelo hoje para os alunos do ensino superior?
Ela apoiou os internatos por que tinha a convicção de que haviam sido estabelecidos a fim de preservar os jovens das más influências. No seu entender, essas instituições deveriam prover uma “atmosfera doméstica” aos jovens, para resguardá-los “de tentações à imoralidade” (Counsels on Education, p. 154). Os internatos cumprem um papel fundamental hoje para os estudantes do ensino superior, oferecendo a eles uma sólida formação integral: cognitiva, social, emocional, física e espiritual, pois o internato – com suas diversas programações – cria possibilidades para isso. Ademais, nesse ambiente, o aluno adquire autonomia, responsabilidade e disciplina, elementos fundamentais para o sucesso profissional - Por Wendel Lima.
Saiba +
A Igreja Adventista mantém dezenas de internatos ao redor do mundo. No Brasil, seis campi oferecem cursos no ensino superior, confira:
Faama - Faculdade Adventista da Amazônia (Benevides, PA)
http://www.faama.org.br/
FADBA - Faculdades Adventistas da Bahia (Cachoeira, BA)
http://www.iaene.br/
Fadminas – Faculdades Adventistas de Minas Gerais (Lavras, MG)
http://www.fadminas.org.br/
IAP - Instituto Adventista Paranaense (Ivatuba, PR)
http://www.iap.org.br/
Unasp - Centro Universitário Adventista de São Paulo (Capital e interior)
http://www.unasp.edu.br/