terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Fábulas do século 21

O Código Da Vinci, Evangelho de Judas, elo perdido... O ser humano continua fugindo da verdade e se agarrando em ilusões

O sucesso do filme “O Código Da Vinci”, a publicação do conteúdo do pergaminho conhecido como Evangelho de Judas e a descoberta de novos fósseis tidos como “elos perdidos” colocaram lenha na fogueira da discussão em torno da autoridade das Escrituras Sagradas. Será a Bíblia o único relato confiável sobre a vida de Jesus? E o Gênesis, estaria com a razão, quando o assunto é a origem da vida?

O CÓDIGO DA CONTROVÉRSIA

Talvez a melhor postura a se adotar com relação ao livro de Dan Brown, O Código Da Vinci (que inspirou o filme homônimo), fosse a do jornal L’Osservatore Romano, que resenhou o filme e colocou como título do texto “Muito barulho por nada”. A Folha de S. Paulo do dia 25 de maio, no artigo “Código do barulho”, sugere que tratar o livro e o filme de Brown como “uma ficção rocambolesca de segunda linha, confusa e inverossível” é o que se deve fazer para minar “a propagação de temas e interpretações indigestos”. Concordo. O problema é que tem muita gente assistindo ao filme e achando que é tudo verdade... Que Constantino inventou a divindade de Cristo no Concílio de Nicéia. Que foi esse concílio que determinou que livros deviam ser incluídos no Novo Testamento. Que Jesus casou com Maria Madalena e teve uma filha. Que uma organização secreta foi encarregada de preservar esse “segredo do Jesus verdadeiro”. E mais um bocado de outras “revelações”.

Brown, baseado em livros apócrifos gnósticos, sustenta que, após a crucifixão de Jesus, Maria e a filha deles, Sara, partiram para a Gália (França), onde teriam fundado a linhagem dos reis merovíngios. O autor diz ainda que essa dinastia perdura até hoje na misteriosa organização conhecida como Priorado de Sião, entidade secreta que tinha os Templários como braço militar. Há até a suposição de que Leonardo da Vinci, Isaac Newton e Victor Hugo tenham figurado entre os membros dessa organização. Tudo com uma base histórica firme como geléia.

Carlos Alberto di Franco lembrou, em julho de 2004, no jornal O Estado de S. Paulo, algumas críticas de respeitáveis jornais estrangeiros a respeito do livro de Brown: El Mundo chama-o de “um livro oportunista e pueril”; The New York Times, de “um insulto à inteligência”; Weekly Standard, de uma “mixórdia de narrativas inimagináveis”; The New York Daily News declara que o livro contém “erros crassos, que só não chocam um leitor muito ingênuo”. O problema é que há muitos leitores ingênuos. Milhões deles.

O Jornal do Brasil, do dia 16 de dezembro de 2004, publicou um artigo de Ives Gandra Martins. A certa altura, ele declara: “No mundo da informação comprovada e dos acessos às fontes, como admitir que se consiga desvendar um segredo não revelado – de 2 mil anos! – de que Cristo teve uma filha? Ou que nas vidas altamente investigadas de Boticelli, Leonardo da Vinci, Boyle, Newton, Victor Hugo, Debussy e Cocteau seus investigadores não descobriram que eles eram grandes mestres de uma fantástica sociedade secreta denominada Priorado de Sião, cuja função era guardar o segredo da filha de Jesus? Todos os historiadores do mundo não descobriram o que o oportunista Dan Brown descobriu em investigações cujas fontes é incapaz de citar. A história é pisoteada por alguém que, sem escrúpulos, mente deslavadamente, sobre tudo.”

Todo o problema vem dos chamados “evangelhos” gnósticos – pano de fundo da obra de Brown. Eles retratam Jesus como um espírito superior, mas afirmam que Ele era um homem como qualquer outro. E se Jesus foi um homem qualquer, qual o problema de ter-Se casado e ter tido filhos?

Uma rápida comparação entre os quatro evangelhos bíblicos e os apócrifos gnósticos mostra que entre eles há um abismo intransponível. O Evangelho de Tomé – outro dos livros gnósticos – afirma, por exemplo, que “quem não conheceu a si mesmo não conhece nada, mas quem se conheceu veio a conhecer simultaneamente a profundidade de todas as coisas”. E assegura que a salvação vem por meio do autoconhecimento, ou pela sabedoria, não pela fé. Confundindo a importância do autoconhecimento – num contexto freudiano – com salvação, mais e mais pessoas têm adotado esses livros não canônicos como sua Bíblia. Mas o conhecimento que salva, do qual fala a verdadeira Palavra de Deus, consiste em conhecer a Deus e a Jesus Cristo (ver João 17:3).

Pretender que os chamados “evangelhos” apócrifos tenham o mesmo peso e confiabilidade dos Evangelhos canônicos é desconhecer a história bíblica. Além de os apócrifos gnósticos terem sido escritos depois dos quatro evangelhos, Mateus, Marcos, Lucas e João são os únicos relatos que foram, ou escritos por testemunhas oculares da vida de Jesus, ou corroborados por elas. E é bom deixar claro que a igreja primitiva já aceitava a inspiração divina dos quatro evangelhos muito tempo antes de Constantino convocar o Concílio de Nicéia. Graças ao historiador Eusébio, sabe-se que 20 decretos foram promulgados em Nicéia. Nem um único diz respeito ao cânon.

Entre a ficção de Brown e a Bíblia, qual você escolhe?

INOCENTANDO O CULPADO

A revista National Geographic publicou um documento trazendo o que seria o ponto de vista de Judas Iscariotes sobre a crucificação de Cristo. O papiro de 31 páginas é conhecido como Evangelho Segundo Judas, e é datado entre os séculos 3 e 4. Segundo a imprensa, que divulgou bastante o assunto, acredita-se que o documento seja uma cópia de um original escrito por volta de 150 d.C.

De acordo com o doutor em Novo Testamento pela Andrews University e especialista em Novo Testamento, Origens Cristãs e Grego Bíblico, Wilson Paroschi, o Evangelho de Judas consiste numa composição feita por gnósticos cainitas, seita herética do início do cristianismo. “Essa heresia consistia numa estranha mistura de tradições cristãs, mitologia grega e religiões orientais”, explica ele. “Não é fácil descrever o gnosticismo em poucas palavras, mas em linhas gerais, os gnósticos rejeitavam o Deus do Antigo Testamento, como sendo uma espécie de deus inferior (demiurgo) e repleto de más intenções, e alimentavam sentimentos anti-semitas. Por causa disso, eles negavam o relato da Criação de Gênesis e adotavam em seu lugar uma teoria das origens muito complexa, caracterizada por conceitos extraídos principalmente da filosofia e mitologia gregas. O Evangelho de Judas, na verdade, apenas reflete as crenças desse grupo.”

A revista Época de 19 de fevereiro admite que, “como o Evangelho de Judas é muito posterior ao tempo em que os eventos teriam ocorrido, não se pode nem mesmo tentar buscar algo nele sobre a figura histórica de Judas”. Então, por que tanto falatório na mídia sobre o manuscrito? A National Geographic Society pagou algo em torno de um milhão e meio de dólares para poder divulgar o documento. E para tentar obter o retorno do investimento, criou uma trama sensacionalista, apresentando o tal evangelho como “o mais autêntico e confiável de todos”. Interesses puramente comerciais. “Quando olhamos para os evangelhos canônicos (Mateus, Marcos, Lucas, e João), vemos que todos eles, conquanto diferentes entre si, apresentam a vida e os ensinos do mesmo Jesus. Há unidade de pensamento e em todos eles o ponto central do evangelho é o sacrifício de Jesus. Esse é o verdadeiro evangelho – a história do Deus que Se fez homem e morreu como homem para a salvação da raça humana”, conclui Paroschi.

O NOVO “ELO PERDIDO”

O jornal O Globo, e em sua versão online de 6 de abril, publicou a matéria “O elo perdido dos pioneiros na terra”, com o subtítulo “Fóssil de peixe capaz de deixar a água é um duro golpe no criacionismo”. Mas será que é isso mesmo?

Numerosos esqueletos fossilizados de um peixe chamado Tiktaalik roseae foram encontrados no Canadá, a 960 quilômetros do Pólo Norte. A descoberta foi anunciada na revista Nature. Os esqueletos bastante conservados para sua idade indicam que o peixe chegava a quase três metros de comprimento e, para alguns cientistas, seria um animal de “transição”, por apresentar caraterísticas tidas como próprias de seres terrestres: barbatanas assemelhadas a membros e “estruturas primitivas” de tornozelos, cotovelos e ombros. O peixe também tinha a cabeça chata, semelhante à de um crocodilo, e pescoço, quadris e outras partes do corpo similares às de animais de quatro patas conhecidos como tetrápodes. O artigo da Nature diz que a criatura é claramente um elo entre os peixes e os vertebrados terrestres.

Para o pessoal da Sociedade Criacionista Brasileira (www.scb.org.br), rrata-se, na realidade, de um retorno às especulações análogas que foram feitas no século passado quanto a outro suposto elo encontrado (e posteriormente perdido novamente) entre peixes e animais terrestres, o famoso Celacanto. “Ao invés de apresentar informações consistentes a favor da tese evolutiva, o artigo apregoa que a descoberta (sobre a qual são dadas apenas escassas informações morfológicas) é vista pela ciência ‘como um forte golpe nos religiosos criacionistas’ que, ainda acrescenta, ‘pregam uma leitura literal da Bíblia sobre a origem e o desenvolvimento da vida’”, diz a SCB e artigo publicado em seu site.

O texto da Nature termina afirmando que os fósseis descobertos “são uma evidência concreta contra a crença criacionista de que não existiam fósseis de transição”. Na realidade, a existência de fósseis de transição é que constitui uma crença centenária dos evolucionistas, que desde Darwin não conseguiram encontrar nenhum que merecesse consistentemente ser assim considerado. Daí a propaganda enganosa desse artigo!

A mesma revista Nature divulgou precipitadamente, no início de 2003, o fóssil Microraptor gui como elo entre dinossauros e aves, posteriormente tendo que se retratar. Da mesma forma, a revista National Geographic teve que se retratar da divulgação precipitada do fóssil Archaeoraptor liaoningensis feita em fins de 1999, como elo entre dinossauros e aves.

Os cientistas que aceitam a estrutura conceitual evolucionista consideram o fóssil como “uma espécie de transição”. “Na realidade”, segundo a SCB, “a alternativa científica que não foi mencionada é a que já foi aceita de há muito com o estudo procedido a respeito do ornitorrinco – uma forma ‘mosaica’”. A esse respeito, leia o que cientistas criacionistas dizem sobre a questão “Formas-Mosaico” ou “Formas de Transição”:

“Na discussão sobre a possibilidade de formas evolutivas intermediárias, deve-se discernir cuidadosamente noções descritivas e interpretativas. Os seres vivos que reúnem características de diversos grupos são qualificados como formas-mosaico ou formas de transição. Estes conceitos devem ser entendidos como descritivos e não dizem nada sobre a relação de origem. Se as formas-mosaico forem interpretadas como de transição filogenética entre esses grupos, usamos o conceito de ‘elos de ligação’ ou ‘formas de transição’. As formas-mosaico como, por exemplo, a ‘ave’ primitiva (Archaeopteryx) não podem ser automaticamente avaliadas como formas evolutivas de transição; em muitos casos, isto nem sequer é possível (por exemplo, com o ornitorrinco).” – Evolução, Um Livro Texto Crítico, Reinhard Junker e Siegfried Scherer, SCB, Brasília, 2002.

Michelson Borges, eitor